Um Sinal único: um recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura. Todos os textos da liturgia natalina convergem para esse Sinal, dado como promessa em Isaías e como realização no Evangelho. Único sinal anunciado, pelo anjo, aos pastores. Este sinal único não deixa de ser um sinal de contradição. Desde o primeiro Natal até hoje vivemos o desafio de gerar, proteger e defender a vida em meio às contradições de um sistema excludente, que procura dominar e planeja matar a vida.
A reflexão é da teóloga Lúcia Weiler, religiosa da Congregação das Irmãs da Divina Providência – IDPs, a qual possui graduação em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, e mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Puc-Rio. Atualmente integra a Equipe de Coordenação Geral da Congregação das irmãs da Divina Providência.
Referências Bíblicas
1ª Leitura – Is 9,1-6
Salmo – 95, 1-3;11-13
2ª Leitura – Tt, 11-14
Evangelho – Lc 2,1-14
Nesta noite, celebramos a culminância do longo tempo de espera do povo de Israel… pela vinda do Messias e também da intensa preparação que fizemos durante o Advento. As muitas luzes e brilhos que chegam a ofuscar nossos olhos, as ofertas de presentes que saturam o mercado, as feiras natalinas que reúnem milhares de pessoas durante o Advento, para além das aparentes contradições, são expressão de um profundo anseio de luz, de gratuidade, de encontro. O nascimento de Jesus é ponto de chegada e ponto de partida.
A Palavra de Deus, com sua simbologia e personagens da liturgia desta noite, oferece um itinerário que nos conduz para um sinal único e central do Natal: Jesus Cristo.
Encontramos quatro indicadores neste itinerário: 1. o símbolo da LUZ; 2. o Sinal: um recém-nascido deitado numa manjedoura; 3. a voz do Anjo dirigida aos Pastores; 4. a ALEGRIA do EVANGELHO, a Boa Notícia.
1. Uma grande LUZ resplandece e interrompe as trevas
Isaías, o profeta do Advento, anuncia: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para aqueles que habitavam um país tenebroso” (Is 9,1).
Que povo é este? O povo de Deus dominado pelo Império Assírio em meados do século 8 a.C. Este povo nutre a esperança luminosa da vinda do Emanuel, Deus conosco, que acabará com a escravidão e a guerra. Os mantos manchados de sangue, a vara do feitor, os calçados de batalha, a coleira no pescoço serão quebrados e lançados ao fogo. Não mais um reino de dominação, mas um Reino de Paz, firmado nos princípios do direito e da justiça! Um Reino que não terá fim.
A grande Luz anunciada por Isaías é obra de Deus, desde o primeiro dia da criação e se completará na encarnação de Deus, Palavra encarnada, Luz do mundo. Enfim, é a essência do próprio Deus: Deus é Luz e nele não há treva alguma! (1Jo 1,5).
Como essa LUZ ilumina hoje, nas noites escuras do nosso tempo?
2. Um Sinal único: um recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura
Todos os textos da liturgia natalina convergem para esse Sinal, dado como promessa em Isaías e como realização no Evangelho. Único sinal anunciado, pelo anjo, aos pastores.
Este sinal único não deixa de ser um sinal de contradição. Desde o primeiro Natal até hoje vivemos o desafio de gerar, proteger e defender a vida em meio às contradições de um sistema excludente, que procura dominar e planeja matar a vida.
A narrativa do nascimento de Jesus no Evangelho (Lucas 2, 1-14) inicia falando sobre o grande movimento do povo, dirigindo-se cada qual para sua terra natal, a fim de registrar-se. Não era uma peregrinação livre, mas uma obrigação em submissão ao decreto do recenseamento ordenado pelo imperador Augusto. Um instrumento de opressão do povo, pois seu único objetivo era controlar as pessoas que deviam pagar tributo ao Império Romano.
José com Maria — esta em estado final de gravidez — entram na fila do povo, “subindo da cidade de Nazaré, na Galileia, até a cidade de Belém” para se registrarem. Hoje, certamente, entrariam na fila dos refugiados, em busca de um lugar para viver, como tantos refugiados vindos da Síria, e de tantos outros lugares, fazendo a travessia pelo Mar Mediterrâneo, ou sucumbindo nele.
Em Belém se completaram os dias para o parto, e Maria “deu à luz seu filho primogênito. Ela o envolveu em fraldas e colocou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles dentro de casa” (Lc 2, 7).
Jesus nasce na contramão da história. As circunstâncias do seu nascimento estão marcadas pela dominação e a opressão que geram a desumanização. Realidade de ontem e de hoje. Nas casas iluminadas e cercadas de muros e arames, nos grandes palácios, não havia e não há lugar para eles. Por isso Jesus nasce numa manjedoura, hoje diríamos num galpão, numa estrebaria.
3. A voz de um anjo interrompe o silêncio da noite e anuncia a Boa Notícia aos pastores
“Naquela região havia pastores, que passavam a noite nos campos, vigiando e cuidando o rebanho durante as vigílias da noite” (Lc 2,8).
Esta rotina dos pastores foi interrompida pela aparição de um anjo e pela glória de Deus que os envolveu com sua luz. Ficaram com medo. E a voz do anjo, único personagem na cena a falar, encoraja os pastores:
“Não tenham medo! Eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo: hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura (Lc 2,12).
Esta é a chance dos pobres, dos pequenos, que talvez conheciam a profecia de Isaías, lembrada pelo anjo. Sem muito tempo para refletir, os pastores são surpreendidos por uma multidão de anjos que entoa: “Glória a Deus nos céus e paz na terra”.
A presença e as palavras dos anjos estão aqui, como voltarão na ressurreição de Jesus, para lembrar que estamos diante de um mistério que não podemos decifrar nem entender com nossa pura razão humana. A encarnação de Deus assumindo a corporeidade humana no ventre de uma mulher, MARIA, é um mistério gerado pelo Espírito Santo, que necessita da interpretação divina. Só será compreendida, na fé, como iniciativa do amor de Deus.
Como os pastores, sejamos vigias das noites de nosso tempo, atentas e atentos à voz dos anjos… Nosso chamamento é acolher e irradiar a Luz de Deus, que interrompe a escuridão das trevas e gera uma esperança luminosa e inabalável para os pobres, os migrantes, os pequenos e os excluídos do direito à dignidade humana.
4. Natal é tempo de alegria: Alegria do Evangelho, a Boa Notícia
A alegria é a culminância do caminho. O anjo diz aos pastores: “Eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo”. Esta Boa Notícia para os pobres é alegria do Evangelho para todo povo. Com ela aprendemos a lição do Natal: a glória de Deus não se revela no brilho, mas na força da fragilidade de uma criança. No compromisso com a vida. A glória de Deus torna-se visível lá onde o pobre vive com dignidade humana.
A exuberância e o alcance desta alegria transparecem no Salmo 95. É um canto novo e universal de alegria jubilosa que envolve toda criação: “Alegrem-se os céus e exulte a terra, o oceano, os campos e tudo o que existe neles, todas as árvores das florestas… com a presença de Deus, que vem para instaurar seu Reino de justiça e verdade, de amor e paz!
E para concluir… lembramos que Natal não é um evento do passado. Natal é hoje, é cada dia!
E perguntamos: como celebrar e viver hoje, na prática cotidiana, o Natal de Jesus?
Podemos responder esta pergunta a partir da realidade pessoal, familiar e das comunidades. Natal acontece cada dia, como graça de Deus e colaboração nossa. Sem o sim de Maria, sem a corresponsabilidade de José e a vigilância dos pastores que escutaram a voz do anjo, não haveria o Natal de Jesus. A Palavra de Deus inspira e convida a uma nova atitude e prática de fé, em duas dimensões:
1. Abrir-nos para Deus: Ele quer nascer em meu/nosso coração, e entre nós, nas nossas relações. Natal é iniciativa do Amor de Deus, um Deus que é Providência.
2. Acolher Deus no rosto de cada pessoa humana. Jesus encarnado se identifica com a criança, com o pobre, o migrante, o necessitado… Significa despojar-nos de nós mesmos, como Jesus, e assumir a realidade concreta dos pobres e pequenos, que é a causa do Reino de Deus. Natal é nosso compromisso.
E quando isso acontecer, não apenas desejamos, mas viveremos um abençoado e feliz NATAL! Então podemos unir nossas vozes para cantar a canção universal de alegria e gratidão: “Noite Feliz!”
Feliz Natal, amiga, amigo!
Fonte: Instituto Humanitas