Devemos reconhecer que este tema pouco esteve presente em nosso passado formativo, nem na família e nem na escola. O diferente, mais que riqueza sempre foi visto como algo conflitivo e que deveria ser evitado. Graças ao bom Deus isso foi sendo superado e chegamos ao entendimento que sem o diferente a ser conjugado não haveria motivos para o diálogo, mas somente realidades justapostas.
Seguindo o pensamento do teólogo Memore Restori da revista Mundo e Missão damos mais um passo nessa importante reflexão sobre a multiculturalidade. Ele, fala da diversidade cultural como patrimônio comum da humanidade, a partir da afirmação da UNESCO: “Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica é para a natureza”. Conseguimos visualizar a importância do tema só a partir dessa comparação?
Memore começa afirmando que a composição multicultural da sociedade hodierna, favorecida pela globalização, tornou-se uma sociedade sem volta. A presença concomitante de diferentes culturas é extremamente positiva quando o encontro delas é visto como uma fonte de enriquecimento mútuo. Porém, pode ser um grande problema quando o multiculturalismo é percebido como uma ameaça para a coesão social, a proteção e o exercício dos direitos de indivíduos ou grupos.
Não é fácil construir uma relação equilibrada e pacífica entre culturas pré-existente e novas culturas; muitas vezes as tradições consolidadas entram em conflito com os novos costumes vindos das culturas alheias. A sociedade multicultural tem sido – e hoje ainda mais – objeto de preocupações de governos e organizações internacionais. A realidade cultural mostra claramente essa problemática que, muitas vezes, é enfrentada de forma exclusivista, racista e preconceituosa.
Apesar de possíveis conflitos emergentes nesse novo ‘caldo cultural’, faz-se cada vez mais urgente acreditar e investir na “Educação à Mundialidade e Interculturalidade”; com o objetivo firme de derrubar os muros do etnocentrismo – que despreza as culturas alheias – e do individualismo – que fecha o horizonte ao ‘Outro’ – e de abrir novos caminhos fundamentados no relativismo cultural, que faz tomar consciência dos próprios limites culturais.
Graças aos recursos do patrimônio cultural que vem adquirindo desde o nascimento, o homem é capaz de alcançar um desenvolvimento equilibrado de si mesmo, e um relacionamento saudável com o meio ambiente e com os outros seres humanos. A necessidade de um estreito vínculo com a sua cultura não exige dele um fechamento autoreferencial; ao contrário faz dele um ser capaz de encontro e reconhecimento das outras culturas.
As diferenças culturais não são a causa dos conflitos que agitam o mundo. Estes têm raízes políticas, econômicas, étnicas, religiosas, territoriais e não exclusiva ou principalmente culturais. O elemento cultural, histórico e simbólico, é muitas vezes usado para mobilizar as pessoas e até estimular a violência enraizada em competições econômicas, conflitos sociais, absolutismo político.
A crescente caracterização multicultural da sociedade e o risco de que, contra a sua verdadeira natureza, as mesmas culturas são utilizadas como elemento de contraste e conflito, são fatores que empurraram ainda mais para a tarefa de construir relações interculturais profundas entre pessoas e grupos, e ajudar a tornar as “Instituições de ensino” em locais privilegiados do diálogo intercultural.
O grande patrimônio cultural da humanidade deve encontrar nas escolas acolhimento, proteção, valorização e instrumento, para se recriar em um diálogo aberto, sincero e criativo.
Essa reflexão do Memore penso que pode provocar-nos a continuar o debate entre nós e nos nossos grupos. Pode parecer uma reflexão teórica que pouco tenha a ver conosco pessoalmente, mas é muito importante para lançar pontes e estabelecer diálogos que nos enriquecem, até mesmo espiritualmente.
A miscigenação de raças do povo brasileiro, deveria nos colocar numa condição avantajada, com relação a outros países, na superação das diferenças culturais e no acolhimento sereno da contribuição que cada cultura pode oferecer.
Além disso, com a facilidade da comunicação que nos coloca em contato com o mundo todo, não temos como impedir a influência positiva e enriquecedora que advém do mundo globalizado. Minha família que se comunica com minha sobrinha que está em Singapura, quase todos os dias, queira ou não vai acabar assimilando algum valor daquele povo asiático e a Samara que vive lá, com o tempo, vai passando seus valores humanos e culturais às pessoas que aproxima, mesmo sem querer.
E assim, o mundo vai ficar mais a mão de todo mundo, mais colorido, mais bonito, mais enriquecido, mais família humana. Vai ficando mais fácil de entender e assumir que o mundo todo é de Deus e que todos somos irmãos.
Dom Jaime Pedro Kohl – Bispo de Osório