Embora apareçam tão trágicos os acontecimentos da nossa existência sentindo-nos impelidos para o túnel obscuro e difícil da injustiça e do sofrimento, somos chamados a manter o coração aberto à esperança, confiados em Deus que Se faz presente, nos acompanha com ternura, apoia os nossos esforços e, sobretudo, orienta o nosso caminho.
A Covid-19 precipitou-nos no coração da noite, desestabilizando a nossa vida quotidiana, transtornando os nossos planos e hábitos, subvertendo a aparente tranquilidade, mesmo das sociedades mais privilegiadas, gerando desorientação e sofrimento, causando a morte de tantos irmãos e irmãs nossos.
Passados três anos, é hora de pararmos um pouco para nos interrogar, aprender, crescer e deixar transformar, como indivíduos e como comunidade; um tempo privilegiado para nos prepararmos para o «Dia do Senhor». Já tive oportunidade de repetir várias vezes que, dos momentos de crise, nunca saímos iguais: sai-se melhor ou pior.
Certamente, tendo experimentado diretamente a fragilidade que caracteriza a realidade humana e a nossa existência pessoal, podemos dizer que a maior lição que a Covid-19 nos deixa em herança é a consciência de que todos precisamos uns dos outros, que o nosso maior tesouro, ainda que o mais frágil, é a fraternidade humana, fundada na filiação divina comum, e que ninguém pode salvar-se sozinho.
É urgente buscar e promover, juntos, os valores universais que traçam o caminho desta fraternidade humana. Aprendemos também que a confiança posta no progresso, na tecnologia e nos efeitos da globalização, não só foi excessiva, mas transformou-se numa intoxicação individualista e idólatra, minando a desejada garantia de justiça, concórdia e paz.
De tal experiência, brotou mais forte a consciência que convida a todos, povos e nações, a colocar de novo no centro a palavra «juntos». Com efeito, é juntos, na fraternidade e solidariedade, que construímos a paz, garantimos a justiça, superamos os acontecimentos mais dolorosos. As respostas mais eficazes à pandemia foram aquelas que viram grupos sociais, instituições públicas e privadas, organizações internacionais unidos para responder ao desafio, deixando de lado interesses particulares. Só a paz que nasce do amor fraterno e desinteressado nos pode ajudar a superar as crises pessoais, sociais e mundiais.
Quando já ousávamos esperar que estivesse superado o pior da noite da pandemia de Covid-19, eis que se abateu sobre a humanidade uma nova e terrível desgraça: a guerra da Ucrânia. Não era essa a estação pós-Covid que esperávamos… para a humanidade inteira. Não podemos continuar a pensar apenas em salvaguardar o espaço dos nossos interesses pessoais ou nacionais, mas devemos repensar-nos à luz do bem comum, com um sentido comunitário, como um «nós» aberto à fraternidade universal.
Somos chamados a enfrentar, com responsabilidade e compaixão, os desafios do nosso mundo. Precisamos desenvolver, com políticas adequadas, o acolhimento e a integração, especialmente em favor dos migrantes e daqueles que vivem como descartados nas nossas sociedades. Somente despendendo-nos nestas situações, com um desejo altruísta inspirado no amor infinito e misericordioso de Deus, é que poderemos construir um mundo novo e contribuir para edificar o Reino de Deus, que é reino de amor, justiça e paz.
(Síntese da mensagem do papa para o Dia Mundial da Paz)