O primeiro domingo depois de Pentecostes, a Igreja Católica o dedica à Santíssima Trindade. Neste dia somos chamados a contemplarmos o nosso Deus e Senhor, que se manifestou como Pai, Filho e Espírito Santo. Assim é o Deus dos cristãos: um só Deus em três Pessoas. A comunhão de vida entre as três é tal que formam uma unidade. O legítimo três em um. A comunidade perfeita e modelo para toda forma de convivência.
Como isso pode se dar é um tanto misterioso, mas não impossível de entender. Se nos deixamos iluminar pela Sagrada Escritura, descobrimos que Deus age como Pai criador; que se comunica com o povo de Israel através de sinais e prodígios; fala pelos profetas; escuta o grito do seu povo e desce para libertá-lo da opressão; caminha com ele e promete um Messias que restabelecerá a unidade e a paz entre todos os povos.
No Novo Testamento, Jesus nos fala muitas vezes e de muitas formas que veio do Pai, que sua missão é fazer a vontade do Pai, que tudo o que faz e ensina é o que viu o Pai fazer e dele tudo aprendeu. Jesus deixa claro aos discípulos que depois de redimir a humanidade, reconciliando-a com o Pai, deve voltar junto d’Ele, caso contrário não teria como enviar o Espírito Santo para ajudá-los a entender tudo o que lhes havia ensinado.
E, o Espírito Santo, como vimos no domingo passado, solenidade de Pentecostes, foi derramado sobre os apóstolos reunidos com Maria no Cenáculo, transformando-os em corajosos anunciadores da Ressurreição de Jesus. Pelo sopro do Espírito os habilitou a perdoar os pecados dos homens.
Isso tudo pode parecer misterioso e, ao mesmo tempo, simples e natural. Para nós cristãos acostumados a nos benzer em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; a concluir muitas orações litúrgicas com a formula: “Isto te pedimos ó Pai, pelos méritos de Cristo teu Filho, na unidade do Espírito Santo”; o mistério trinitário torna-se tão familiar que corremos o risco de cair na formalidade, perdermos o sentido profundo destas invocações e não nos maravilharmos mais.
Assim como herdamos de nossos pais traços físicos e espirituais e reproduzimos atitudes e valores absorvidos na convivência familiar, algo parecido acontece na linha da fé. Se trazemos no nosso DNA a marcada da unidade e comunhão das três Pessoas, a vida de nossas comunidades deveria ter essas mesmas características.
São João ao definir Deus como “Amor”, deixa claro que o Deus dos cristãos não é solitário, mas comunhão de pessoas: um Deus família. Essa relação de amor entre o Pai e o Filho é tão forte que gera uma terceira pessoa: o Espírito Santo. Aprendemos e cremos que o batismo nos introduz neste mistério da Trindade, nos faz participantes da vida divina, tornando-nos depositários da vida nova da graça: amor de Deus derramado em nossos corações.
É sempre bom lembrar que esse amor derramado em nossos corações é o Espírito Santo de Deus, o espírito do Ressuscitado. Portanto, a fé no Deus Trindade nos deve levar a reconhecer a beleza e a santidade da pessoa humana, enquanto santuário da presença divina.
Se Deus é assim, perfeita unidade na diversidade das três pessoas, somos chamados a vivermos de forma semelhante, ou seja, unidos como membros de um único corpo, animados por único e mesmo espírito: o Espírito Santo de Deus. A comunidade humana encontrará sua verdadeira realização à medida que buscar conviver nessa relação de igualdade e de respeito com o diferente, como acontece na comunidade trinitária.
Nada mais contraditório, portanto, que uma comunidade cristã dividida. São João nos diz que jamais alguém viu a Deus, mas se nos amarmos uns aos outros, Deus aí está. A comunidade que vive unida torna Deus visível, mostra o seu Rosto. Quando se divide desfigura esse Rosto, porque Deus é unidade, comunhão: “Deus é amor”.
O modelo no qual devemos nos inspirar quer na vida familiar como comunitária e da sociedade é a Trindade Santa. Ela é o fundamento sobre o qual somos chamados a construir. Confiemo-nos ao Pai, Filho e Espírito Santo que a paz será assegurada e a vida plena nunca nos faltará.
Sei que esse jeito de pensar é tipicamente religioso e de difícil compreensão para o mundo, mas é a revelação que o próprio Deus fez de si na história judaico-cristã. Muita utopia? Pode ser para o mundo em geral, mas não para nós que fomos agraciados com o dom da fé cristã.
Que a contemplação deste amável Mistério nos abra sempre mais ao transcendente, mantendo-nos sempre abertos a acolhida do diferente, construindo unidade.
Ó Santa Trindade, inspira nosso ser e o nosso fazer!
Dom Jaime Pedro Kohl
Bispo de Osório