A parábola do semeador que meditamos no domingo passado deixava claro que para conhecer os mistérios do reino dos céus é preciso acolher a Palavra de Deus. E, Ela só produz frutos quando compreendida e não apenas ouvida.
As três parábolas deste final de semana: o trigo e o joio, o grão de mostarda e o fermento nos ajudam a compreender um pouco mais dos mistérios do reino.
A proposta dos trabalhadores de arrancar logo o joio, o sábio dono responde: “Não. Pode acontecer que, arrancando o joio, vocês arranquem também o trigo”.
Essa pressa de resolver as questões que nos afligem, não é conforme o pensamento de Deus. Isto não significa que não devamos nos preocupar com os riscos que o joio oferece ao trigo.
Jesus, mais do que ninguém sabe o que é bom e o que não é bom, inclusive fica indignado com os escribas e fariseus que insinuam que seus milagres e curas são obra de belzebu. Contudo, a separação só acontecerá na hora da colheita, no momento em que pelos frutos se pode reconhecer quem é quem. Uma coisa é certa: aos justos a vida eterna e aos corruptos o castigo eterno.
As outras duas parábolas, a pequena semente que se torna uma grande árvore capaz de abrigar os pássaros do céu e o fermento que faz levedar toda a massa, ilustram iconograficamente o poder do Reino de Deus.
Deus sabe esperar e não costuma fazer alarido, prefere soluções mais demoradas, mas mais respeitosas e duradouras. Jesus preferiu o caminho da cruz, do grão que precisa morrer para dar frutos. É próprio do Reino agir no silêncio e transformar o mundo por dentro, fermentando a massa.
Do pequeno e insignificante vem a mudança. A menor de todas as sementes se tornará maior de todas as hortaliças. A boa nova do Reino confiada aos pequenos, pela força da Palavra, purificará o mundo de suas obras mortas.
Saber esperar, ser paciente, não é concordar com o mal, mas vencê-lo com o bem. Como lê-se no Pequeno Príncipe: “Ser paciente é investir naquilo que é invisível aos olhos, mas essencial ao coração”.
A paciência de Deus desafia a eficiência dos homens. É Ele quem faz crescer e espera pacientemente pela colheita. A paciência é sempre melhor que a precipitação; a não-violência que a violência; o amor que o ódio; a compaixão que a vingança.
Por agora, o trigo e o joio crescem juntos, mas somente os justos brilharão na glória do Pai.
Essa conclusão do Evangelho deste domingo, que mais uma vez nos fala em parábolas, lança um facho de luz muito forte sobre a realidade, onde o bem e o mal, a justiça e a injustiça, a fidelidade e a infidelidade, andam sempre misturados.
Na prova final se revela quem é quem, a consistência e a inconsistência, quem construiu sobre a verdade e quem sobre a mentira.
Muitas outras leituras e aplicações poderíamos fazer destas parábolas que a liturgia nos propõe a nossa meditação.
A sociedade em que vivemos é um campo de semeaduras diferentes e contrastantes. Ao discípulo convicto e firme na prática da justiça compete semear a boa semente.
São muitos e não é difícil identificá-los os que semeiam o joio. O cenário político da alta esfera, especialmente nestes últimos meses, é estarrecedor. As denúncias de corrupção e propinas, distribuição de dinheiro fácil para aprovar ou arquivar acusações chegam a anojar.
Diante desse joio, cintilam pequenas centelhas de esperança – trigo puro – da administração de pequenos municípios. Fiquei edificado na visita pastoral que fiz aos prefeitos nesses últimos meses. Encontrei boa vontade e determinação em fazer uma administração honesta e justa, buscando o bem dos munícipes.
Sabemos que as mudanças começam na base, dos pequenos e bem-intencionados. Prefiro pensar que o mundo não está perdido, que o Brasil tem jeito. A esperança é a última que morre, ou melhor, não morre nunca porque nos abre para o infinito, ao Reino de Deus, que começa aqui, mas não termina aqui.
As situações de pecado social e estrutural são resultado do mau uso da liberdade humana e não vontade de Deus. Ele poderia evitar que isso acontecesse? Até que sim, mas estaria eliminando o livre arbítrio da pessoa humana. Sem liberdade não haveria responsabilidade. Deus nos quer companheiros, parceiros seus e não escravos, mesmo que isso requeira tempos ilimitados.
A seleção para Jesus acontecerá na hora da colheita, no momento em que pelos frutos se pode reconhecer o que é trigo e o que é joio, o que é coisa boa e o que não é.
Durante o tempo do crescimento a comunidade terá que conviver com um e com outro, há de tolerar a convivência de ambos.
Na construção do Reino é preciso ter paciência e esperar a hora certa para o juízo final. Mas a obra está em ato, a menor das sementes se torna uma grande árvore que abriga os pássaros do céu e o fermento escondido faz levedar toda a massa. Elas mostram qual é o jeito de Deus, o seu método e seu poder.
Ajuda-nos, Senhor, a sermos sempre boa semente: trigo, grão de mostarda e fermento, onde quer que estejamos.
Dom Jaime Pedro Kohl
Bispo de Osório