Com a modificação do cânon 230, parágrafo 1º do Código de Direito Canônico, formalizada no Motu Próprio intitulado “Spiritus Domini”, o Papa Francisco institucionalizou o acesso de mulheres ao ministério instituído do leitorado e acolitado. Até então, o ministério era formalmente permitido apenas aos homens, mas na prática a função era exercida pelas mulheres nas comunidades católicas. Na carta apostólica, divulgada nesta segunda-feira, 11 de dezembro, Francisco estabeleceu que esses ministérios sejam de agora em diante também abertos às mulheres, de forma estável e institucionalizada, com um mandato especial.
A mudança, segundo o próprio Santo Padre, reflete as indicações das últimas assembleias do Sínodo dos Bispos, especialmente do Sínodo para a Amazônia, e os avanços doutrinários nos últimos anos como o de que certos ministérios instituídos pela Igreja se baseiam na condição comum de serem batizados e do sacerdócio real recebido no sacramento do Batismo, o que é diferente do ministério ordenado recebido no sacramento da Ordem.
O motu próprio foi acompanhado por uma carta dirigida ao prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Luis Ladaria, na qual Francisco explica as razões teológicas de sua escolha. No documento, o Papa escreveu que “no horizonte de renovação traçado pelo Concílio Vaticano II, há hoje uma urgência cada vez maior em redescobrir a corresponsabilidade de todos os batizados na Igreja, e em particular a missão dos leigos”.
Para o bispo de Paranaguá (PR) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Edmar Peron, todos os gestos, pequenos ou grandes, que procurem eliminar expressões e, consequentemente, ações excludentes dentro da Igreja são sempre muito bem vindos.
O Papa Francisco, em sua avaliação, tem consciência que as suas ações conduzem a mudanças pequenas no presente, mas grandes para o futuro. Confira, abaixo, a íntegra da entrevista que o presidente da Comissão para a Liturgia da CNBB concedeu à revista Isto É.
1. Qual a importância dessa ação do Papa para a evolução da Igreja Católica?
Todos os gestos, pequenos ou grandes, que procurem eliminar expressões e, consequentemente, ações excludentes dentro da Igreja são sempre muito bem vindos. E o Papa Francisco tem consciência que as suas ações conduzem a mudanças, pequenas no presente, mas grandes para o futuro. Elas abrem caminhos, iniciam processos. Ter retirado a expressão “Os leigos do sexo masculino” do Código de Direito Canônico, cân. 230§1, e mantido apenas “Os leigos” significa ter modificado o livro das leis da Igreja. Sua ação incentiva as Conferências Episcopais do mundo inteiro a proporem concretamente ao Papa a criação de outros ministérios, mais adequados aos desafios da evangelização deste século.
2. Há resistência ainda de setores da Igreja no país em relação à participação de mulheres em ministérios?
Resistências? Somos um país marcado pelo machismo e cada um de nós e as nossas comunidades estamos imersos na História. Dela recebemos o melhor e, infelizmente, também o pior, como o machismo. Para todos vale o anúncio de Jesus: “Convertam-se e creiam no Evangelho. Certamente há resistência de alguns setores em relação à participação das mulheres nos muitos ministérios. Contudo, não acredito que isto tenha impedido às mulheres de prosseguirem firmemente a missão assumida em cada Comunidade. A força das mulheres supera a resistência desses setores.
3. Há alguma chance de as mulheres um dia atuarem como padres na Igreja Católica?
Esta é uma questão muito delicada. No momento, o Papa Francisco repropôs a doutrina firmada por São João Paulo II: em relação aos ministérios ordenados a Igreja “não tem de modo algum a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres” (Carta Apostólica Ordinatio sacerdotalis, 22 de maio de 1994).
4. Essas mudanças feitas no Código de Direito Canônico são necessárias para o fortalecimento da Igreja?
A Igreja se fortalece pela escuta da Palavra de Deus, pela celebração Litúrgica e pelo serviço concreto da Caridade. Desse modo o cristão torna-se discípulo missionário de Jesus Cristo, participante de um ministério eclesial insubstituível: Evangelizar. Contudo, assim como a promulgação do Código de Direito Canônico em 1983 foi de grande importância para a comunhão eclesial, também as mudanças em algum dos seus textos são muito válidas. Elas normalmente esclarecem o que estava escrito ou indicam novas situações, modificando o próprio texto, tornando-o mais adequado aos desafios que a Igreja está enfrentando no momento de sua modificação.
Fonte: CNBB